28 de junho de 2008 | N° 15646AlertaVoltar para a edição de hoje
A Cena Médica | Moacyr Scliar
Gravidez na adolescência: o pacto do desamparo
Muito significativa a notícia que ZH publicou no fim da semana passado. Diz o texto: "Intrigados com o repentino aumento do número de adolescentes grávidas na escola, os diretores da Gloucester High School (Massachusetts, EUA) descobriram um fato surpreendente. Ao menos metade das estudantes grávidas confessaram ter feito um pacto para engravidar ao mesmo tempo e criar os filhos juntas".
Essa notícia é importante porque remete a um problema cada vez mais freqüente no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde há uma verdadeira epidemia de gravidez na adolescência. Em apenas 10 anos, de 1990 a 2000, praticamente dobrou o número de jovens que engravidam entre os 12 e os 19 anos, um total de 1,1 milhão de adolescentes. Cerca de dois terços da grávidas brasileiras têm menos de 20 anos.
As conseqüências são sérias. A gravidez na adolescência é quase sempre de alto risco. A hipertensão, que pode ter muitas complicações, é cinco vezes maior nas adolescentes, que também são mais propensas a ter anemia. Um estudo da Organização Mundial da Saúde mostra que a incidência de recém-nascidos com baixo peso é duas vezes maior nos partos de mães adolescentes. A taxa de morte neonatal é três vezes maior.
As complicações psicossociais também não são pequenas. As garotas freqüentemente são rejeitadas pelo pai da criança e por seus próprios pais, têm de deixar os estudos, perdem os empregos. Em suma: são marginalizadas.
Pergunta: por que engravidam as adolescentes? Por ignorância, era a resposta clássica. Essas jovens não teriam conhecimento de métodos anticoncepcionais.
Não é verdade. Um estudo feito em São Paulo mostrou que 92% das adolescentes conheciam pelo menos um método contraceptivo. No Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, verificou-se que apenas 22% das grávidas adolescentes pensaram em interromper a gravidez. Dessas, somente 5% efetivamente adotaram alguma medida prática. Aproximadamente 25% das adolescentes planejaram a gestação, como aquelas dos Estados Unidos, e muitas abandonaram o método contraceptivo que usavam com o intuito declarado de engravidar.
Portanto, não é a desinformação que leva à gravidez na adolescência. Mas o que é, então? A notícia que nos vem dos Estados Unidos dá uma significativa sugestão a respeito. Muitas dessas adolescentes querem engravidar. É uma forma de auto-afirmação, de deixar uma marca no mundo, através da criança. E é, como mostra o pacto da escola americana, quase que um movimento de caráter social, resultante da ausência de oportunidades. Metade das adolescentes grávidas atendidas no Hospital das Clínicas da USP já havia interrompido os estudos antes de engravidar.
No passado, atribuía-se a chamada explosão demográfica à ignorância dos pobres ou, pior, a uma espécie de perversidade que fazia com que se reproduzissem como coelhos. O jeito seria fazê-los usar contraceptivos de qualquer maneira. Agora sabemos que a coisa é mais complicada do que parece. E há nisto uma clara mensagem para os pais e para as escolas. As garotas precisam ser ajudadas psicologicamente. Antes que optem pelo pacto da gravidez.